Surpresa: medidas para limitar a propriedade intelectual e estimular a livre difusão dos bens simbólicos já são debatidas até em agências da ONU
Os dez países e blocos que participam das negociações do ACTA concentram perto de 75% do PIB do planeta. O caminho para difundir o acordo é transformá-lo em lei nos Estados envolvidos e, em seguida, impô-lo pela força econômica, por meio de acordos de comércio bilaterais ou multilaterais.
A União Europeia, num exemplo, abre seu mercado ao algodão africano… em troca da adoção de leis sintonizadas com o ACTA. Esta estratégia revela, porém, uma debilidade grave e nova. O ambiente político e ideológico do planeta mudou. Ao contrário do que ocorreu com as leis de patentes, nos anos 1990, já não há consenso para a agenda neoliberal. Primeiro, devido a uma transformação cultural. A colaboração e as trocas não-mercantis via internet fazem parte do quotidiano – em especial, entre as gerações mais jovens. Segundo porque acabou, nos fóruns internacionais, a hegemonia segura dos mais ricos. Países como China, Brasil e Índia ganharam força e capacidade de iniciativa. Sinal dos novos tempos: a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), uma agência da ONU, debate, neste momento, um conjunto de propostas que visa limitar o alcance deste tipo de propriedade. É a chamada Agenda do Desenvolvimento da OMPI. Foi proposta por Brasil, Argentina e Índia, em 2004, e aprovada na 31ª assembleia-geral da entidade, em 2007. Tem, como mote, “adequar” as leis de propriedade intelectual ao direito de cada país ao desenvolvimento. Em sintonia com este objetivo, a OMPI aprovou, em 2009, um conjunto de 45 recomendações. Entre elas, estão promover o equilíbrio entre os requisitos da propriedade intelectual e os interesses mais amplos da sociedade; promover a transferência de tecnologia, em especial para superar a desigualdade digital; preservar e ampliar o acervo de obras consideradas de “domínio público”; rever as políticas de propriedade intelectual que afetam o setor informal das economias. No plano internacional são, ainda, palavras. Mas em diversos países elas estão produzindo efeitos concretos. O Brasil é um deles. O ministério da Cultura lançou, em 2005, um movimento para rever a “Lei do Direito Autoral” (lei 9.610). Aprovada em 1998, aferrada obsessivamente ao conceito de propriedade, é considerada uma das mais restritivas do mundo, chegando ao bizarro. Torna ilegais práticas corriqueiras, como xerocar livros, transferir para um tocador de MP3 músicas de um CD ou cantar músicas em ambientes públicos, sem consentimento prévio do autor… Debatido em uma série de audiências públicas há três anos, o projeto para superar tal atraso será enviado ao Congresso Nacional este ano. Apoia-se em três pontos: reequilibrar os direitos autorais e os pessoais, introduzindo, por exemplo, o direito à cópia para uso privado; rever as relações entre autores e intermediários, evitando que empresas apropriem-se dos direitos autorais de seus funcionários (no caso de escritores, jornalistas e fotógrafos, por exemplo); e modernizar os mecanismos de arrecadação dos direitos, substituindo entidades anacrônicas, como o ECAD, por um Instituto Brasileiro do Direito Autoral.
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