A monocultura agroindustrial viola direitos de alimentação, laborais, territoriais e ambientais na América Latina, segundo o relatório divulgado por ONG’s no México.
Emilio Godoy, IPS, 17 de junho de 2010.
O estudo “Açúcar Vermelho, Desertos Verdes” diz que essas actividades “destroem a biodiversidade, contaminam e esgotam fontes e cursos de água, desgastam os solos, causam deslocamento forçado, despojam” de recursos naturais as famílias camponesas e indígenas e causam graves danos à saúde por causa do uso de agrotóxicos.
O trabalho, de 255 páginas, foi preparado pela Coligação Internacional para o Habitat, uma rede internacional pró-moradia, pela não governamental Food First Information and Action Network (Fian), e pela rede internacional Solidariedade Suécia-América Latina, com o objectivo de avaliar o impacto das monoculturas na região. “O modelo de desenvolvimento aplicado incentiva a agroexportação. Os governos nacionais aplicam políticas de apoio a esse modelo”, disse à IPS Natalia Landívar, delegada da Fian no Equador e que participou da apresentação do estudo.
O relatório analisa os casos da colheita de palma africana no México, Colômbia e Equador, da cana-de-açúcar no Brasil e na América Central, da soja na Argentina, do abacaxi na Costa Rica, e da indústria florestal no Chile, entre outros casos. Este tipo de cultivo começou na região em meados do século passado e tiveram o auge na década de 70, quando os países latino-americanos despontaram como fornecedores de matéria-prima para os mercados das nações industrializadas.
O fenómeno “é parte de uma complexa rede de controle e dominação, que inclui a disputa pelo poder, dos mercados financeiros, do uso da mão-de-obra violentada e das fontes de energia”, disse à IPS o costarriquenho Gerardo Cerdas, coordenador do movimento Grito dos Excluídos Continental, também presente ao ato.
Por exemplo, a produção de soja argentina, que hoje ocupa mais de 16 milhões de hectares e é destinada primordialmente à exportação, passou de 10 milhões de toneladas em 1991 para 48 milhões em 2007, crescimento empurrado pela alta do preço nos mercados internacionais, que era de 180 dólares por tonelada em 1991, e subiu para 580 dólares por tonelada em 2008.
As empresas “vêm pela concentração da terra, para desmatar e explorar as famílias camponesas”, denunciou à IPS Paulo Aranda, dirigente do Movimento Nacional Camponês de Indígena da Argentina, que assistiu à apresentação e cuja organização luta contra o plantio de soja geneticamente modificada. Na Costa Rica, o cultivo de abacaxi estende-se por cerca de 54 mil hectares, o que deu a esse país centro-americano o título de principal produtor mundial, cujo mercado mais importante é o dos Estados Unidos, talvez pelo fato de a multinacional Del Monte ser a maior compradora.
“O abacaxi cresceu pela força de agroquímicos, provocou a contaminação da água, perda de ecossistemas, degradação da terra e exploração laboral”, assegurou à IPS Soledad Castro, do Centro de Direito Ambiental e dos Recursos Naturais da Costa Rica, que também participou da apresentação do estudo.
Numa nova fase, o desenvolvimento das monoculturas passou do fornecimento de matéria-prima para a elaboração de combustíveis, como o etanol proveniente da cana-de-açúcar e o biodiesel obtido a partir do óleo de palma africana, e cuja principal motivação é abastecer o “faminto” mercado norte-americano.
A proliferação de produtos agrícolas para elaborar combustíveis também se deve ao esgotamento do petróleo como fonte de energia e ao fato de a produção e uso de hidrocarbonos propiciar a emissão de gases contaminantes, como o dióxido de carbono (CO²), responsáveis pelo aumento da temperatura global. O Brasil surgiu como o principal gerador de etanol de cana da região, com produção superior a 27 mil milhões de litros, e procura replicar o seu modelo produtor no México, Japão, na América Central e em vários países africanos.
No México, são diversos os engenhos que investiram em instalação para gerar etanol, embora o consumo nacional não cresça, pois o projecto-piloto para sua mistura com gasolina a partir do próximo ano, na cidade de Guadalajara, está paralisado. A licitação, realizada pela estatal Petróleo Mexicanos para a compra de 658 milhões de litros de etanol, fracassou e uma nova está em andamento, embora os produtores prefiram mais a ideia de vender ao mercado norte-americano, que demanda mais e paga melhor. “Os agrocombustíveis são uma tentativa para manter artificialmente a actual matriz energética, que é totalmente inviável”, enfatizou Gerardo Cerdas.
As organizações sociais que se opõem às monoculturas querem aproveitar o fórum do Comité de Segurança Alimentar Mundial da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), que se reunirá em outubro, para promover suas propostas. “O apoio internacional é para favorecer a agroindústria e não para as economias camponesas”, ressaltou a equatoriana Natalia Landívar.
O relatório sugere diversificar a produção agrícola, atender as necessidades alimentares das famílias, empregar práticas agroecológicas, reduzir os custos energéticos do sistema agrícola e, relacionado com este aspecto, aproveitar a biomassa gerada dentro dos sistemas agrícolas.
muinto legal
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